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Professora do Campus Taguatinga Centro pesquisa romances que retratam períodos da Ditadura Militar argentina

Criado: Segunda, 15 de Agosto de 2016, 08h50 | Publicado: Segunda, 15 de Agosto de 2016, 08h50 | Última atualização em Segunda, 15 de Agosto de 2016, 09h00 | Acessos: 2871

As Ditaduras Militares que se espalharam pela América Latina dos anos 1960 até os 1980 não deixaram marcas apenas nos livros de história, foram também responsáveis por mudar as rotinas dos cidadãos comuns, a economia, as artes e a literatura.

 A professora de Língua Espanhola Camila Lopes Godinho, do Campus Taguatinga Centro, tem se dedicado a estudar como o período de repressão dos governos militares na Argentina, na década de 1970, se refletiu na literatura daquele país.

Ela explica as razões de focar nesse espaço temporal. “Em relação ao período estudado, considero para as minhas análises a década de 1970 como um todo, que foi o período marcado pela frustração das ideologias revolucionárias e o de maior violência, em todos os sentidos, praticada pelos governos militares. E também é o período no qual algumas partes das histórias dos romances se desenvolvem”, explica a pesquisadora.

 

A literatura como fonte de pesquisa

Com a pesquisa intitulada “Cicatrizes de uma época: ditadura e violência no romance argentino contemporâneo”, a pesquisadora do IFB estuda obras literárias de três autores argentinos: Martín Kohan, Sergio Chejfec e Alan Pauls.

Os romances estudados foram escritos depois que a Argentina já havia passado pelo processo de redemocratização. Entretanto, são estórias que, de maneira geral, se passam durante a Ditadura.

Os títulos escolhidos para embasar a pesquisa foram: Dos Veces Junio escrito por Martín Kohan e publicado em 2002 que abarca a década de 1970 e início dos anos 1980, quando começa a decadência do regime ditatorial.

De acordo com Camila, trata-se de um romance que traz algumas referências bastante conhecidas para os brasileiros, como a Copa do Mundo de 1978 e a Guerra das Malvinas em 1982. Dos Veces Junio narra a história de um soldado que trabalha como motorista de um médico militar que supervisiona torturas em uma casa em Quilmes que confina presos políticos contrários ao regime ditatorial.

O segundo livro que virou objeto de pesquisa da professora Camila foi Los Planetas, escrito por Sergio Chejfec e publicado em 1999. De acordo com ela, esse livro “possui uma poética literária caracterizada pela fragmentação, pela subjetividade e pelo exercício da memória, o que dificulta a datação dos acontecimentos. O surgimento de algumas referências ao longo do texto é o que permite uma aproximação quanto ao período abarcado”.

Los Planetas relata o esforço de S, um dos protagonistas, em manter viva a lembrança de seu amigo M, que desapareceu sem deixar rastros durante o período ditatorial argentino.

O último romance em análise pela professora de Língua Espanhola é Historia del Llanto de Alan Pauls que foi publicado em 2007 e possui estrutura semelhante a Los Planetas - relato fragmentado, subjetivo, tom testemunhal -, mas o que difere um pouco os dois é que em Historia del Llanto há como maior referência temporal a invasão pelos militares do Palácio La Moneda em 1973, em Santigo do Chile, e a consequente morte de Salvador Allende.

Historia del Lllanto relata as vivências de um jovem de 13 anos e amante da literatura militante dos anos 70 que começa a questionar suas crenças a partir do momento em que não consegue chorar diante das imagens da tomada do Palácio La Moneda e a consequente morte de Salvador Allende em Santiago em 11 de setembro de 1973. Ele revisita questões como o divórcio de seus pais, as vidas duplas de alguns personagens, a existência desnorteada de sua mãe e os segredos que permeiam muitas das relações.

 

A memória histórica

A professora Camila escreve que o objetivo da pesquisa é analisar como esses autores argentinos, por meio de suas obras, se apropriaram do período ditatorial e que “estratégias narrativas e estéticas” foram usadas para representar a violência política e reconstruir a memória histórica.

Ao comparar Brasil e Argentina no período pós-ditadura, a professora afirma que os argentinos foram mais reativos, e continuam sendo, em sua luta por justiça e esclarecimentos relativos às mortes advindas do período ditatorial. De acordo com ela, isso ocorre “inclusive pelas dimensões brutais que o regime militar tomou lá”. “É considerada uma das ditaduras militares mais violentas e a que mais matou, proporcionalmente”.

“No entanto, é pertinente ressaltar aqui que apesar de alguns militares terem sido julgados nos últimos anos, houve um período, mais precisamente durante o governo Menem, em que foi instaurada a política do silêncio e da amnésia por meio de Decretos de Necessidade e Urgência (DNU)”, explica a pesquisadora.

Segundo ela, essa política foi iniciada pelo perdão concedido em dezembro de 1990 aos militares golpistas Jorge Rafael Videla, Emilio Massera, Leopoldo Galtieri e outros líderes da Ditadura Argentina.

Os DNU são um tipo de norma que, apesar de ser sancionada somente pelo Poder Executivo, tem status de lei. Uma vez promulgado o DNU, o congresso deve analisá-lo e determinar se continua vigente ou não. Assim como outros decretos, são expedidos pelo presidente, mas em acordo geral com os ministros.

O que aconteceu desde a redemocratização, a partir de 1983, é que todos os presidentes, até o ano de 2006, podiam emitir esses decretos sem nenhum controle legislativo.

O governo que mais promulgou decretos de necessidade e urgência foi justamente o governo de Carlos Menem (1989-1999), com um total de 545 DNUs publicados. Ou seja, “certamente essa quantidade descabida de DNUs fez parte, entre outros objetivos, da manobra política para velar e colocar "debaixo do tapete" as manifestações e reivindicações de parentes e vítimas da violência ditatorial”, afirma a professora.

 

Entender as ditaduras políticas por meio da literatura

“Acredito que tanto na Argentina como aqui no Brasil sempre haverá aqueles que evitarão, seja por interesse próprio ou por interesses de outrem, o esclarecimento dos fatos, sua publicização e os devidos desdobramentos. E a literatura opera nesse contexto como uma forma de representação que tenta dar conta de toda essa bagagem sócio-histórica e política na medida em que se baseia em um princípio ordenador de significados que compõe um imaginário e que está relacionado às atitudes de um sujeito que lhe confere valores, estabelecendo diálogo com outros textos e, consequentemente, gerando novos sentidos”, diz Camila ao comparar o pós-ditadura da Argentina com o do Brasil.

Ela continua:  Como o tema da ditadura militar é comum à maioria dos países latino-americanos, acredito que o texto literário que trata sobre isso reivindica e assente nosso lugar de fala como latino-americanos que experienciamos, seja em primeiro, segundo ou terceiro grau, esse acontecimento histórico e que buscamos legitimidade e credibilidade para falar sobre a ditadura com liberdade, respeito e sensibilidade.

Citando a pesquisadora argentina Ana Maria Amar Sánchez Camila afirma que a literatura nos afeta mais desta forma porque atua como "um princípio organizador de sentidos" e também porque toda narração do passado é uma representação, algo enunciado no lugar de um acontecimento e, como ficção, nos permite essa conexão e ressignificação desses sentidos.

A professora comenta a respeito dos movimentos políticos que tem surgido no Brasil pedindo intervenção militar. Ela afirma que o clamor pela volta da Ditadura, além da falta de conhecimento histórico, “já que esse tema é trabalhado nas escolas superficialmente, quando o é, e é pouco discutido no geral”, é resultado também de grave estreitamento ou ausência do pensamento crítico.

“Isso é preocupante em tempos de proliferação de pensamentos e ações de caráter fundamentalistas e autoritários e levando-se em consideração que somente há 31 anos passamos pelo processo de redemocratização. Seguramente as pessoas que defendem a volta da ditadura não conseguem visualizar as dimensões do impacto que isso causaria em nossas vidas tanto pública quanto privada e os efeitos disso para a sociedade como um todo”.

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