Maria da Penha: relatos de vida de uma mulher e de uma lei
Políticos que dão nomes a leis é corriqueiro; entretanto, no caso da 11.340 – Lei Maria da Penha – há uma diferença. A denominação desse texto legal resultou de uma condenação do Estado brasileiro na Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), e a acusação partiu de uma cidadã comum junto com entidades da sociedade civil.
Maria da Penha foi cumprimentada pelo diretor do Campus Taguatinga Centro, Eduardo Dias Leite.
O Brasil não conseguiu cumprir a obrigação de proteger suas cidadãs, e a cearense Maria da Penha virou vítima do machismo, da violência doméstica e por fim do Estado brasileiro, que se omitiu na punição de um agressor.
Acionada, a OEA determinou que o Brasil mudasse sua legislação de direitos e garantias das mulheres e que fizesse uma reparação simbólica à vítima do erro brasileiro. Em 2006, o presidente da República assinou a Lei 11.340 e, como compensação simbólica a uma das vítimas da violência doméstica, deu à nova legislação o seu nome. Maria da Penha virou símbolo das garantias às mulheres e também nome de lei.
Nessa terça-feira, 14 de maio, a mulher que mudou o cenário dos direitos humanos no Brasil esteve no IFB. Abaixo, segue, editado, o relato que ela fez de sua trajetória em busca de Justiça em uma sociedade sexista com um Estado patrimonialista.
Relato de uma luta
“A minha história começou em 1974, quando estava fazendo um curso de pós-graduação na USP. Conheci meu futuro marido por meio de amigos comuns; ele era de origem colombiana. Eu terminei minha tese e voltei a morar em Fortaleza; ele veio junto.
Nós tivemos nossa primeira filha, ele conseguiu a cidadania brasileira e depois disso começou a mudar: ficou violento.
Tentei agradá-lo, me anulei como mulher, tentei conversar, me separar, mas ele não aceitava. Em 1983, eu estava dormindo e acordei com um estampido; não consegui me mexer. Na hora eu achei que tinha morrido e por isso não me mexia, mas havia levado um tiro. Fui socorrida pelos vizinhos, levada ao hospital, mas fiquei paraplégica.
Meu marido me levou do hospital para casa e me manteve em cárcere privado por 15 dias. Minha família queria cuidar de mim, mas ele me levou. Nesse período em que me manteve em casa, ele tentou me matar, pela segunda vez. Agora, com um chuveiro elétrico propositalmente danificado, tentou me eletrocutar.
Mesmo com essa situação, eu não queria sair de casa. Não queria sair para não caracterizar abandono de lar; queria minhas filhas. Eu só o deixei depois que consegui da Justiça um documento chamado separação de corpos, que me dava garantias.
Até esse momento, ele não havia sido acusado. Mas encerrado o inquérito, a Secretaria de Segurança Pública concluiu que o meu marido havia simulado o assalto na nossa casa e teria sido ele o responsável pelo tiro.
Foram 19 anos e 6 meses que passei lutando por Justiça, para que ele fosse punido pelo que fez. Realizaram-se dois julgamentos e em ambos ele saiu livre do Fórum. Após o primeiro julgamento, eu fiquei muito desanimada e decidi escrever um livro contando o que aconteceu.
O Brasil condenado
O caso chegou, em 1997, a uma ONG, que sugeriu fazer uma denúncia na OEA contra a negligência do governo brasileiro. Durante quatro anos a OEA enviou ofícios ao governo do Brasil pedindo explicações sobre o tema. Não houve resposta.
O resultado foi que a OEA agiu e recomendou ao Brasil uma mudança na legislação para proteger as mulheres. Nosso País já tinha assinado tratados internacionais sobre o tema, mas não os executava. Em 2006 foi criada a Lei Maria da Penha.
Hoje, nos grandes municípios, essa lei está funcionando bem, mas nos pequenos não. A postura machista da sociedade impede a aplicação da lei.
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