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Algumas palavras...sobre a solidão

Criado: Sexta, 12 de Junho de 2020, 13h53 | Publicado: Sexta, 12 de Junho de 2020, 13h43 | Última atualização em Sexta, 12 de Junho de 2020, 18h53 | Acessos: 1597

Neste período atípico de pandemia que estamos vivenciando, alguns de nossos sentimentos surgem de forma mais evidente, sem que, muitas vezes, saibamos como lidar com eles. Um dos sentimentos que está mais diretamente relacionado ao isolamento social é o de angústia frente à solidão.

Sermat (1980) define a solidão como sendo a associação que fazemos entre as relações que queremos e as relações que temos: a discrepância entre elas nos causaria o sentimento de solidão. Outra definição interessante é a de Sullivan (1953), que descreveu a solidão como algo que tem dois aspectos: um desagradável e outro motivador, pois, para ele, a solidão surgiria de uma necessidade de intimidade interpessoal que ainda não foi alcançada.

Um aspecto importante a destacar é que a solidão não é sinônimo de isolamento:  ela é vivenciada como um fenômeno psicológico subjetivo.  Ainda assim, é fato que a impossibilidade do encontro, do contato físico, da conversa e do olhar direto desperta, em muitas pessoas, um sentimento que pode ser doloroso e paralisante.  Algumas pessoas são ainda mais vulneráveis à vivência da solidão como algo negativo nesse momento: aquelas que vivem em cidades diferentes das de seus familiares e amigos, os que estão hospitalizados, os que passaram por separações ou perdas recentes, os que não têm acesso a ferramentas de comunicação remota etc.

O fato é que a pandemia nos impôs uma nova configuração de espaços em que o ideal é, neste momento, estar distante.  Mas esse nunca foi o ideal humano: somos seres sociais, e nossa relação supõe, sempre, a existência de um outro, o pertencimento a um grupo, seja ele de amigos, família, pares etc.  Tanto é assim que os esforços da tecnologia se voltam cada vez mais para o estabelecimento de conexões.  O que fazer, então, quando o contato a que estamos habituados não é possível?

Mas, embora o ser humano seja, como foi dito, um ser social, é importante nos lembrarmos de que a solidão é também, muitas vezes, buscada e valorizada.  Buscamos a solidão nos momentos de meditação, de retiro espiritual, de concentração para elaboração de um trabalho, de oração, de produção de um texto... Os monges retiram-se, muitas vezes, por toda uma vida, do convívio social, em busca de um contato com sua própria espiritualidade.  Os estudantes retiram-se para se concentrarem no conteúdo de suas matérias.  Os professores, muitas vezes, procuram a solidão para prepararem suas aulas.  Na meditação, recolhemo-nos para nosso espaço interior, em busca de equilíbrio.  Ao escrevermos um texto, precisamos da quietude.  Em todos esses momentos, a solidão é bem-vinda.

Alguns autores referem que o gosto ou a busca por ficar só estão relacionados à experiência de sentimentos positivos na solidão, e estão positivamente correlacionados com a construção de uma identidade autônoma e a manutenção do equilíbrio psicológico (Larson, 1990). Agora, quando há medo ou aversão à solidão, pode-se avaliar o medo de estar só ou a sensação de mal-estar na ausência da companhia de outras pessoas. Essas duas atitudes não devem ser vistas como coisas opostas, mas, sim, como representando características distintas do indivíduo (Goossens, Marcoen, Hees & Woestijne, 1998).

Vemos, então, que a solidão não é, necessariamente, algo negativo.  Nós a procuramos em alguns momentos de nossas vidas; às vezes, inclusive, diariamente.  Se agora a pandemia a fez mais presente, por que não recebermos esse momento como uma oportunidade para reflexão, para transformação interior, para reconhecimento de nossos medos, nossos sofrimentos, nossas possibilidades, mas também de nosso potencial e de nossas esperanças?  Podemos acolher a solidão e fazer dela nossa aliada.  Ela nos ajuda a diminuir os estímulos externos que tanto atraem nossa atenção e nos fazem fugir de nós mesmos.  Tira-nos de uma certa alienação e nos permite uma reconexão com nosso próprio eu. 

Muito se tem dito sobre uma nova consciência da humanidade, a partir da experiência da pandemia.  Mas não esqueçamos que o novo estado de consciência começa em cada um de nós, e é na solidão de cada um que encontramos o tempo e o espaço para reflexão e para transformação.  Embora estejamos todos angustiados com a presença de uma nova doença, este momento, paradoxalmente, pode ser, no sentido psicológico, uma oportunidade para uma cura interior, que se refletirá, ao final desse processo, não só no íntimo de cada um, mas, de uma forma mais ampla, em toda a humanidade.

 

Autoras:  Josely Gomes Guimarães – Psicóloga do IFB, Campus Riacho Fundo  (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)

                 Vera Lúcia Rial Gerpe – Psicóloga do IFB, Campus São Sebastião (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)

 

 

Referências

Bastos, M.T; Costa, M.E. (2005) A influência da vinculação nos sentimentos de solidão nos jovens universitários: implicações para a intervenção psicológica. PSICOLOGIA, Vol. XVIII (2), Edições Colibri, Lisboa, p. 33-56.

Neto, F.; Barros, J. (1999) Solidão em diferentes níveis etários.  Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento. Porto Alegre, v.3, p.71-88. Disponível no site https://seer.ufrgs.br/RevEnvelhecer/article/view/4670 .

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