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Algumas palavras...sobre a sobrecarga das mulheres em tempos de pandemia

Criado: Quinta, 18 de Junho de 2020, 17h54 | Publicado: Quinta, 18 de Junho de 2020, 17h54 | Última atualização em Quinta, 18 de Junho de 2020, 17h54 | Acessos: 5326

Uma das consequências da vivência da pandemia e do necessário distanciamento social é a alteração profunda das nossas rotinas em diversos níveis. Tem sido comum as pessoas se preocuparem mais com a higiene e limpeza das moradias, compras no supermercado, lavagem das roupas e da própria higiene pessoal (lavagem frequente das mãos, uso de álcool gel, banhos imediatos quando chegam em casa). Para quem não mora sozinho, é frequente se deparar também com o cuidado das crianças, adolescentes e idosos que moram na mesma casa, o que inclui acompanhamento das atividades escolares, rigor com a higiene deles, disponibilidade de tempo para brincar e dar a atenção que eles necessitam. Essas alterações bruscas de rotina colocam todos nós diante da vivência de esgotamento físico e emocional, no entanto as mulheres vivenciam em maior grau a sobrecarga e desgaste se comparado com os homens.

Por que isso acontece?

É muito comum falas que indicam que as mulheres sabem limpar a casa melhor, são mais responsáveis, têm “mais jeito” para cuidar de crianças e adolescentes, têm o “dom” de amar o outro, cozinham melhor do que homens. Todos nós já escutamos falas assim ou até mesmo já enunciamos frases com esses estereótipos de gênero. Quando falamos sobre gênero, a partir da Psicologia, entendemos que a cultura interpela os homens e as mulheres a performar de formas diferentes, o que cria formas de subjetivação distintas. Desde sempre mulheres acumulam diferentes atividades e são cobradas por um senso de responsabilidade e cuidado. Mulheres são ensinadas, ainda meninas, que esse é o seu papel, que ela deve cuidar do que é dela e do que é do outro. Na nossa sociedade, a capacidade de gestar foi associada à capacidade de cuidar, o que naturalizou nas mulheres o papel de cuidar das tarefas domésticas, dos filhos e de outros membros familiares. Essa naturalização coloca a mulher em situação de intensa sobrecarga e invisibiliza o trabalho e dispêndio de tempo-energia-força implicado no trabalho doméstico (ZANELLO, 2018), a exemplo dos dados do IBGE (2018) que retratam um panorama em que a mulher dedica em média 20,9 horas/semanais nas atividades domésticas, enquanto os homens destinam 10,8 horas/semanais.

A desigualdade de gênero no que se refere à capacidade de cuidar já estava posta e era objeto de estudo e atenção mesmo antes da pandemia, mas nesse contexto essa questão assume ainda mais destaque. No mapeamento de bem-estar dos estudantes em tempos de pandemia conduzido pelo grupo de psicólogas do IFB, deparamo-nos com um cenário que, apesar de esperado, requer atenção: as estudantes mulheres do IFB sentem-se mais sobrecarregadas e com maiores índices de esgotamento emocional se comparado com os estudantes homens. No contexto atual, é usual que, além das tarefas domésticas já praticadas rotineiramente pelas mulheres, sejam somadas a necessidade de maior atenção às crianças e adolescentes e a própria adaptação pessoal diante do cenário da pandemia. É preciso considerar que conciliar todas as funções já citadas, como o  cuidado com a família, com a casa, a presença dos filhos em casa pela impossibilidade de retorno à escola neste momento, a vida laboral, entre tantas outras possibilidades, produz mais impactos na saúde mental e no desenvolvimento acadêmico das mulheres se comparado com os homens. 

Considerando a expressão atribuída a um Provérbio Africano que afirma ser necessária "uma aldeia inteira para educar uma criança", o que nos remete à responsabilização coletiva – e não apenas da mulher – pelas tarefas do cuidar, faz-se importante refletirmos quais contribuições podem ser oferecidas por cada integrante de um núcleo familiar. Pode-se permitir, assim, que todos os membros, indistintamente, tenham a oportunidade de dedicarem-se e aprimorarem-se nos aspectos de suas vidas que considerem significativos: familiar, de afeto, de cuidado ao outro e de autocuidado, de aprendizagem e educação, laboral, e todos os outros aspectos que almejarem potencializar.

 Nesse sentido, sugerimos aos membros da casa atenção às seguintes dicas: 

  • As atividades domésticas e os cuidados com filhos e/ou outros membros familiares devem ser distribuídos neste momento de pandemia (e que a divisão perdure no pós-pandemia), de modo a não sobrecarregar as mulheres. Os homens podem e devem assumir responsabilidades com as tarefas do cuidar, afinal esse assunto também lhes diz respeito. 
  • Entendendo que este contexto de incertezas e mudanças bruscas decorrentes da pandemia podem ocasionar maiores tensões, é importante que as famílias encontrem um momento para conversar sobre os aspectos de sobrecarga e divisão das tarefas, de forma assertiva e direcionada, para que a mudança seja um compromisso entre todos.
  • Todos precisam ter tempo para o ócio e lazer. Não presuma que é um traço da “personalidade” da sua companheira, mãe, irmã ou avó ficar envolvida com diversas atividades domésticas.
  • Homens, não esperem que sua companheira, irmã, mãe ou avó lhe indique quais atividades domésticas você deve realizar. Repare no que precisa ser feito e se prontifique a fazer.
  • E você, mulher, não se sinta culpada ao dividir e/ou delegar essas atividades. Faça um quadro com essas divisões incluindo todos os membros familiares; as crianças e adolescentes também podem assumir algumas responsabilidades de acordo com suas idades.

Por fim, reafirmamos a necessidade de desnaturalizar a capacidade de cuidar das mulheres, uma vez que o cuidar é possibilidade de todas as pessoas!

 

 Referência

 ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018. 



Iasmin Santos (psicóloga do Campus Brasília)

Lorena Costa (psicóloga do Campus Planaltina)

Luísa Meirelles (psicóloga do Campus Estrutural)

Marina Lima (psicóloga do Campus Gama)

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