Profissionais de que o mercado precisa
Como forma de sustentar o crescimento econômico, Brasil investe na expansão dos institutos federais de ensino técnico. Hoje, a oferta dos cursos está concentrada na rede privada.
Matéria veiculada no Correio Braziliense – Eu Estudante. Repórter: Mariana Niederauer.
Depois que conseguiu uma vaga no curso de técnico em evento do Instituto Federal Brasília (IFB), Camila Cassiano, 30 anos, encontrou a qualificação de que precisava. “O benefício é que a escola viabiliza a prática e o contato com profissionais da área e com o mercado. Na graduação, isso acontece mais por conta própria”, comenta. Ela é formada em publicidade e propaganda, mas acabou por descobrir vocação em outra área. “Desde a época de faculdade, comecei a trabalhar com eventos e fui gostando muito. Tive vontade de fazer uma pós-gradução relacionada ao tema, mas as mensalidades estavam muito altas”, conta. A mudança compensou. “Se eu tivesse feito a especialização, teria um título maior, mas não a prática.”
O governo federal está correndo contra o tempo para qualificar profissionais como Camila, com cursos técnicos de longa duração e de graduação tecnológica, para sustentar o crescimento econômico brasileiro. A expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica é uma das tentativas. A meta é entregar 562 câmpus até o fim de 2014, pois 37% estão com obras em andamento ou passando por licitação. Em 2002, quando teve início a ampliação da rede, eram 140 unidades.
Hoje, o oferta de cursos nessas modalidades está concentrada na rede privada. Segundo dados de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 45% dos cursos técnicos e 69% dos tecnológicos são oferecidos por instituições de ensino particulares. Além disso, 24,5% dos trabalhadores que começaram estudos em escolas técnicas disseram não ter concluído por questões financeiras. Para o reitor do Instituto Federal Brasília (IFB), Wilson Conciani, o Brasil está vivendo uma massificação do ensino técnico e tecnológico, fase pela qual os países desenvolvidos já passaram. Segundo ele, isso dá sustentabilidade para o desenvolvimento econômico. “Não temos como sustentar o crescimento sem mão de obra qualificada para isso”, afirma.
Conciani explica que, para avaliar o impacto dos técnicos e tecnólogos no desenvolvimento do país, é preciso entender como funciona a estrutura de produção. Ele exemplifica esse processo usando a construção de uma casa. O engenheiro, que faz um curso de graduação de cinco anos, concebe o projeto. Os tecnólogos, que se formam em dois ou três anos, fazem a interpretação da tecnologia para aplicá-la no dia a dia da obra. A função dos técnicos, que se qualificam em até dois anos, é coordenar a execução do projeto e acompanhar o desenvolvimento da construção diariamente.
Ele afirma que, de uma maneira geral, o mercado brasileiro tem grande carência por profissionais qualificados para atuar nesses dois níveis intermediários, técnico e tecnológico. De acordo com dados do Censo Escolar de 2011 e do Censo da Educação Superior de 2010, apenas 22% dos estudantes do país estão matriculados nessas duas modalidades — o restante cursa bacharelado. Nos países desenvolvidos, a proporção é inversa: para cada bacharel, há 20 técnicos formados.
As áreas de telecomunicações, mecânica, construção civil e engenharias são as que mais precisam de profissionais com essa formação. Os alunos de informática do câmpus de Taguatinga do IFB, Cristina Galvão, 30 anos, e Pedro Mendes, 24, estão aproveitando a oferta de empregos no mercado e se dedicando à qualificação. “É um curso bom e em uma área de que eu gosto muito, a de redes e manutenção”, relata Cristina, que faz estágio e pretende continuar o percurso acadêmico após terminar o curso, com duração de um ano e meio. O mineiro Pedro também escolheu informática por gostar do tema. Ele acredita que, no bacharelado, não há tanto contato com a parte prática da profissão. “Acho que, quando você faz teoria e prática juntos, acaba aprendendo mais.”
O câmpus onde os dois estudam faz parte da expansão da rede federal e atende a 1,2 mil alunos nos cursos técnicos de eletromecânica, vestuário e informática, número que deverá dobrar quando a obra chegar ao fim, em 2013. O IFB tem outros sete câmpus, sendo que sete deles estão em obras ou em processo de licitação. O instituto conta com 6 mil alunos matriculados e poderá receber 17 mil depois da conclusão das obras, prevista para 2014. A seleção ocorre por meio de sorteio eletrônico, e os cursos oferecidos em cada unidade são escolhidos após audiência pública nas comunidades onde se localizam. O objetivo é atender a necessidade local.
Despertar das empresas
O coordenador na Fundação Dom Cabral (FDC) Paulo Resende acredita que as empresas estão começando a perceber a importância de valorizar os profissionais qualificados para atraí-los às áreas de atuação que mais carecem de mão de obra. Estudo publicado pela Fundação Itaú Social em 2010 mostrou que o aumento salarial médio de um trabalhador com nível técnico é de 12,5%. O especialista da FDC acredita que as organizações estão buscando oferecer benefícios, além da remuneração: “O salário era, para as empresas, o item máximo de valor que elas poderiam oferecer, agora não é mais”.
Resende comenta que os empresários estão mais preocupados em oferecer um pacote de valor aos seus potenciais contratados, como plano de previdência, bolsa de estudos para os filhos e convênios com farmácias e clínicas dentárias. Ele destaca que também é necessária uma maior proximidade na relação entre as empresas e os funcionári
os para evitar que eles deixem o emprego. “O governo deveria orquestrar esse movimento de alinhamento de expectativas entre as empresas e os técnicos. O nível de contratação é alto, mas a quantidade de tempo no trabalho é baixa.”
O que diz a lei
Três tipos
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, define três tipos de cursos dentro da educação profissional e tecnológica brasileira. Os de formação inicial e continuada são de curta duração. Eles têm como objetivo capacitação, aperfeiçoamento, especialização e atualização de trabalhadores com qualquer nível de escolaridade. O Decreto nº 5.154, assinado em 2004 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, define a articulação das outras duas modalidades. Os cursos técnicos atendem a quem completou o ensino fundamental e dão ao aluno conhecimentos teóricos e práticos nas diversas atividades do setor produtivo. Antes da publicação do decreto, esses cursos eram desvinculados do ensino médio. Agora, os dois segmentos da educação podem ser articulados. Os cursos tecnológicos têm o mesmo propósito, mas são de nível superior — graduação e pós-graduação.
Onde estudar
O IFB oferece cursos de qualificação, técnicos e tecnológicos. Para concorrer às vagas nas duas primeiras modalidades, por sorteio eletrônico, é preciso se inscrever pelo site www.ifb.edu.br. Para os cursos de graduação, a seleção é feita por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Veja quais são os cursos em cada câmpus:
Brasília
Cursos técnicos em serviços públicos, informática (desenvolvimento de sistemas) e eventos; graduação em dança (licenciatura) e tecnológica em gestão pública
Planaltina
Cursos técnicos em agropecuária e agroindústria; graduação tecnológica em agroecologia
Taguatinga
Cursos técnicos em suporte e manutenção em informática, vestuário, e eletromecânica
Gama
Cursos técnicos em agronegócio, cooperativismo, logística e química; graduação em química (licenciatura)
Samambaia
Cursos técnicos em controle ambiental, edificações, móveis e reciclagem
Taguatinga Centro
Curso de técnico em comércio
Riacho Fundo
Curso técnico de transações imobiliárias
São Sebastião
Cursos técnicos de secretaria escolar e secretariado
Estrutural, Ceilândia e e Brazlândia
Oferecem cursos a distância e/ou de qualificação rápida
Fotos de Bruno Peres
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