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Entrevista participativa com Alberto Carvalho sobre Imigração

Criado: Terça, 12 de Julho de 2016, 17h08 | Publicado: Terça, 12 de Julho de 2016, 17h08 | Última atualização em Terça, 12 de Julho de 2016, 17h26 | Acessos: 2756

Entrevista participativa com o psicólogo clínico e pesquisador Alberto Carvalho, mestre em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília. O pesquisador é atuante em projetos com imigrantes, refugiados, na área de saúde mental e acompanhamento terapêutico. 

A Entrevista Participativa é um projeto da Coordenação de Ações Inclusivas da Pró-Reitoria de Extensão do Instituto Federal de Brasília (IFB).

As questões abaixo foram feitas pela comunidade IFB e respondidas pelo Alberto Carvalho:

Pergunta: Como incluir e promover relações entre diferentes grupos de imigrantes no campo educacional? Como podemos ajudar esses alunos que chegam até o instituto de modo que eles possam se adaptar e aprender o conteúdo formal ensinado em sala de aula?

Alberto Carvalho: A complexidade do tema imigração realmente gera muitas dúvidas. Primeiramente é importante entendermos de onde essas pessoas vêm, compreendermos a cultura deles. Certamente as expectativas educacionais para um Sírio serão muito diferentes das de um Haitiano, por exemplo. Mais ainda, precisamos, além de tentar entender os aspectos culturais e amplos de cada grupo, olhar e escutar cada um desses alunos em sua individualidade. Cada um reage diferentemente ao processo de imigração, e, em alguns casos, refúgio. O processo sem dúvida necessita inicialmente de qualificação para os professores e técnicos em contato com essas populações. Esse seria o primeiro passo. E essa qualificação implica além de um possível curso sobre multiculturalismo, a conversa e o convívio com esses imigrantes.

Pergunta: Qual a importância do ensino da língua estrangeira, no caso, o português como segunda língua para os imigrantes? E como possibilitar esse processo?

Alberto Carvalho: A barreira linguística, apesar de não ser o único obstáculo que se apresenta aos imigrantes estrangeiros, sem dúvida é o mais evidente e o primeiro a se apresentar. O processo de adaptação e inserção na nova cultura está diretamente relacionada ao aprendizado do português. Se assim não for, essas pessoas tendem a apenas a ocupar cargos de baixa qualificação, aquém dos que possuem em seu país de origem, podendo levar a formação de “guetos” com seus pares e a não inserção na nossa sociedade. O ensino do idioma aos estrangeiros, essencial no acesso e garantia dos seus direitos, deve ser feito por profissionais especializados, que também entendam as dificuldades dos migrantes e toda a complexidade cultural e emocional que envolve esse aprendizado. Infelizmente não estamos bem preparados. Precisamos estabelecer parcerias com instituições que já ofereçam o ensino de português para estrangeiros, como o NEPPE/UnB, tentando atender às demandas mais específicas dos migrantes e/ou refugiados. Talvez isso requeira ações de qualificação junto aos professores de programas como este ou outros.

Pergunta: Sou professora e sinto bastante dificuldade com o processo de aprendizagem de meus alunos imigrantes, porque é preciso explicar questões tão básicas da nossa cultura que nem mesmo eu tinha consciência antes de verificar o quanto é difícil para o outro (de outra cultura) compreender determinados padrões e posturas. Vejo que o conteúdo formal é apenas um pano de fundo. É isso mesmo? Como posso melhorar minha ação pedagógica para favorecer esses alunos?

Alberto Carvalho: Sim. A questão cultural e linguística se apresenta como barreira ao aprendizado e ensino. Infelizmente há urgência em se atender as demandas dos estrangeiros recém-chegados. E ainda não estamos preparados. Portanto precisamos nos qualificar ao mesmo tempo que lidamos com essas demandas. É preciso encontrar formas de qualificar nossos professores o quanto antes. Enquanto isso não acontece de forma mais estruturada e nos âmbitos institucionais, podemos pensar outras estratégias. Rodas de conversa com esses alunos para entender melhor suas necessidades pode ser uma ação interessante. Grupos conduzidos por profissionais já qualificados, tanto com os alunos quanto com os outros professores, pode ser uma boa forma de disseminar conhecimento e experiências bem sucedidas. Em nível individual, o professor pode buscar informações sobre a cultura de origem do aluno bem como fazer vínculos mais pessoais para entender melhor suas vivências e necessidades. Há que se ter o cuidado para não aculturar essas pessoas, com o entendimento de que nossa cultura é superior ou que elas devem ser adaptar a nós a qualquer custo, dado o interesse ou necessidade delas permanecerem aqui. No entanto, a discussão das diferenças culturais é importantíssima, pois há certas práticas que podem ferir as normas legais e morais do nosso país. 

Pergunta:  Acredito que todos têm direitos ao convívio e à integração cultural e linguística com outros povos, sem que para isso tenham que perder sua identidade, sua memória, ou trocar sua língua por outra. O que as instituições educacionais podem ou devem fazer para favorecer esse processo?

Alberto Carvalho: Concordo. O processo de integração desses estrangeiros passa em primeiro lugar pelo reconhecimento de sua cultura, origem e experiências. Não se trata de impor uma nova cultura a essas pessoas. Entretanto a integração também exige um esforço do imigrante. Claro que precisamos oferecer as ferramentas para isso acontecer. Mas se não há um esforço de ambas as partes acabará havendo mais estrangeiros em situação de segregação, apenas convivendo entre si e sem acesso às oportunidades. Novamente, creio que o papel das instituições, não apenas educacionais, passa pelo acolhimento e reconhecimento desses imigrantes, por meio, inclusive, do incentivo de atividades culturais e artísticas que se referem ao país de origem dele. É necessário ter núcleos de pessoas qualificadas dentro dessas instituições que possam disseminar esse conhecimento e promover estratégias de integração. Atualmente estamos com um grupo na UnB montando um Projeto de Extensão para atendimento de estrangeiros e qualificação de profissionais primeiro da Universidade, mas posteriormente de outras instituições interessadas. Podemos fazer parcerias nesse sentido.

Pergunta: O Brasil é um país heterogêneo, consegue congregar várias raças, etnias, culturas... Mas, na prática de sala de aula, é possível verificar o encontro e o choque da diversidade. Como aproveitar o potencial desse encontro e minimizar os efeitos adversos?

Alberto Carvalho: Sim. Apesar de sermos um povo formado por várias etnias, raças e culturas, nós temos sim preconceito e racismo, talvez de maneiras menos explícitas que em outros países. Mas ele está sim presente. O primeiro passo é enxergar isso dentro de cada um de nós, e realmente perceber se há esse preconceito e como ele se manifesta. Partir do pressuposto de que não há preconceito entre nós apenas reforça o choque e o conflito em sala de aula, talvez de maneira mais perversa por ser inconsciente. Se estivermos abertos ao novo, ao diferente, a experiência com essa diversidade pode ser enriquecedora, e não causadora de conflitos. Endereçar essas questões de maneira aberta e direta com os alunos pode ser um bom início. 

Pergunta: O que os educadores podem fazer quando presenciam situações de preconceito, bullying, em que a dificuldade dos alunos imigrantes para fazer amigos e se adaptar à cultura brasileira é o fator principal?

Alberto Carvalho: Reforçando o que já disse anteriormente, tudo passa pelo estabelecimento de canais eficazes de comunicação entre todos membros da comunidade da escola, e que se estenda aos familiares dos imigrantes também. Além disso, é preciso qualificar nossa escuta, entendendo as necessidades e diferenças dos outros. Entendemos que há situações imediatas, que demandam intervenções urgentes. Buscar profissionais com essa qualificação e que possam ajudar os professores a implementarem as estratégias já citadas como rodas de conversa e grupos nos parece muito importante. Inicialmente, e de forma mais célere, os professores poderiam trocar experiências e informações na forma de um grupo regular, assessorado por um membro da coordenação.

Pergunta: Como trabalhar a concepção de que os imigrantes podem "furtar" um espaço que, em tese, não deveria ser dele?

Alberto Carvalho: A ideia de que os imigrantes estão aqui para furtar um espaço no mercado de trabalho, por exemplo, é falsa e preconceituosa. Em países de grande tradição migratória como os EUA, diferente da retórica ultranacionalista e conservadora recente de alguns, os imigrantes ocupam lacunas no mercado onde realmente são necessários, sem tirar espaço de outras pessoas. Certamente temos muitos brasileiros que também buscam emprego. Mas esses ainda possuem um pouco mais de respaldo social e possibilidades de inserção que os imigrantes. Precisamos entender melhor quem são esses estrangeiros, que mesmo diante de uma situação econômica nada promissora, decidem vir ao Brasil assim mesmo. Será que havia outra possibilidade? São situações de vida ou morte em muitos casos. Se nossos alunos não se qualificarem para o mercado eles perderão espaço para qualquer um, não necessariamente para um imigrante. Esse parece ser mais um discurso comodista e xenófobo sem razão de ser. O convívio com pessoas de outras culturas é uma experiência que agrega riqueza e conhecimento, trazendo novas experiências e uma visão de mundo muito mais ampla. Isso também serve como qualificação para nós brasileiros.

Pergunta: Como fazer parceria com os pais dos alunos imigrantes para que eles acompanhem a vida escolar dos filhos? Será que essa ausência tem relação com questões culturais, de valorização diferente do que é a trajetória escolar?

Alberto Carvalho: Sim, mas há vários aspectos a serem levados em conta. Temos as diferenças culturais e a barreira do idioma, mas também precisamos entender o quão complexo e até doloroso o processo de imigração pode ser. Há um luto por tudo deixado para trás. Mesmo em imigrações não forçadas isso existe. E no caso dos alunos mais jovens eles são vítimas de uma imigração forçada, visto que, via de regra, não têm voz nesse processo. A decisão, mesmo que voluntária é tomada em última instância pelos pais, e não por eles. A vida escolar, a adolescência, o crescimento, podem ser situações bem complicadas por si mesmas. Some isso a tudo envolvido na imigração, em alguns casos, com ameaças seríssimas à integridade física dessas pessoas. Portanto, precisamos um olhar mais tolerante e compreensivo tanto com os alunos quanto com os pais. Será realmente que não acompanhar os filhos de forma adequada na escola é apenas uma questão cultural? Novamente o diálogo com essas pessoas pode ser revelador de várias outras facetas que inicialmente sequer imaginamos.

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